Entrevista: Hermes Leal e a narrativa de estados da alma
20 Setembro 2020
Área teórica inédita no país, a Teoria das Paixões no cinema trata do emocional dos personagens como ponto principal numa narrativa. Fundador da Revista de Cinema, escritor, documentarista e pesquisador, Hermes Leal vai abordar sua teoria, formulada em mais de 30 anos de pesquisa, numa oficina no FAM 2020. PhD em Narrativa de Ficção, Leal é autor de sete livros. É jornalista, mestre em Cinema com especialização em Roteiro pela ECA/USP e doutor em Letras, com especialização em Linguística e Semiótica das Paixões, pela FFLCH/USP.
FAM - Quais os principais conceitos da teoria das paixões voltada para a ficção no audiovisual e como se deu seu interesse por esse campo?
Hermes Leal – É uma narrativa que explora o sentir do personagem e o que isso significa para o espectador. Não existe narrativa sem sofrimento. Saímos do estado de coisas, focado nas ações dos personagens, para os estados da alma. As paixões que fazem agir ou não agir é que provocam mudanças de estado. "Roma" e "Parasita” são exemplos de filmes que exploram mais o sentir dos personagens do que suas ações. O cinema iraniano é todo baseado nisso, “Através das oliveiras”, do Kiarostami, é sobre sentidos. Sou jornalista e comecei em 1988 uma pesquisa científica sobre narrativa, iniciando com a Semiótica das Paixões, uma teoria francesa (Lacan, de Saussure A.J. Greimas), e não larguei essa teoria todo esse tempo. Percebi que a semiótica das pessoas, do sujeito, foi ficando de lado. É um campo acadêmico novo de pesquisa no Brasil e uma área a ser explorada pelos roteiristas.
FAM – Como você vê os roteiros brasileiros nesse cenário?
HL - No Brasil são raros os filmes assim, que exploram a imperfeição dos personagens, a culpa, ódio, rancor, o arco dramático que vai da ilusão a uma verdade, pois é preciso estabelecer a verdade para o personagem. No Brasil temos dificuldade em falar a verdade.
Fernanda Montenegro foi indicada ao Oscar por Central do Brasil e ganhou o Emmy em Doce de Mãe por suas personagens imperfeitas. São filmes que saíram do imperativo da ação, e o desejo é mais profundo, não tem limites. Estudamos bastante o discurso, mas essa teoria traz a estrutura narrativa que fica abaixo do discurso, o inconsciente, os afetos e valores que levam o personagem a agir. É da ordem do sentir.
FAM - E como aplicar a teoria na criação de roteiros e personagens mais complexos?
HL - Na oficina, vamos interpretar e reconstruir a trama de Roma e Parasita com base nessa teoria. Vou abordar esquemas para tornar a teoria objetiva na criação de narrativas, que são o programa narrativo, simulacro existencial, acontecimento extraordinário, surpresa, dano e fratura, cólera e vingança, e ainda outras estruturas, como a divisão em atos e pontos de virada. O interessante é que as estruturas das paixões são universais e podem ser aplicadas a diversos contextos, gêneros narrativos e emoções.
A oficina Narrativa de Ficção será nos dias 25 e 26/09, das 9h30 às 12h30.
Inscrições abertas na plataforma Sympla.
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